EDIFÍCIO ONDE A MULHER FOI ENCONTRADA
Augusta Martinho deixou de ser vista em Agosto de 2002. Foi uma vizinha que estranhou a ausência e a caixa de correio cheia. Só ontem, quarta-feira, o corpo de Augusta foi encontrado no chão da cozinha e removido da habitação, num prédio da Rinchoa, concelho de Sintra.
O corpo de Augusta Martinho, que fazia 96 anos no próximo sábado, foi descoberto depois de a habitação ter sido alvo de penhora por parte das Finanças e vendida em hasta pública, com a nova proprietária a entrar ontem, quarta-feira, cerca das 16 horas, pela primeira vez no imóvel.
Augusta deixou de ser vista em Agosto de 2002. Uma vizinha contou ao JN ter estranhado a ausência e a caixa de correio cheia, tendo visto mesmo um vale da reforma caído no chão. E garante que tentou falar com familiares de Augusta que vivem em Lisboa e com os CTT, mas nunca nada foi feito.
A queixa de desaparecimento data de Novembro de 2002 e a GNR chegou a deslocarar-se ao local, mas disse não ter permissão para arrombar a porta.
Ninguém acreditava que Augusta estivesse morta em casa porque não havia mau cheiro - sabe-se agora que talvez tenha sido por haver uma janela da varanda aberta.
A notícia da idosa encontrada morta em casa, após nove anos de silêncio, atordoou o país. Desgraçadamente, nem devia espantar muito. O abandono a que são votados os velhos e a enfastiada e emperrada burocracia a que estamos submetidos, os verdadeiros causadores desta descoberta terrível, levam a estes desfechos aberrantes. Não é a primeira vez que ouço falar de pessoas que morrem sozinhas e só tempos depois são descobertas. Mas nunca imaginei que alguém pudesse ficar tanto tempo ignorada para além da morte. O que choca mesmo é a indiferença e esquecimento total a que a idosa esteve votada, tirando uma vizinha ou uma outra pessoa mais escrupulosa.
ResponderEliminarNesta nossa sociedade que despreza tudo o que é velho e "do passado" em detrimento do novo e "moderno", que cultiva a juventude esticada ao máximo e a devoção à saúde eterna, os velhos são um estorvo e não ficam bem entre a mobília. Algumas famílias tendem muitas vezes a esquecê-los, e noutros casos nem restam familiares próximos, tendo então de se entregar à sua sorte. Os poucos voluntários que propositadamente os visitam para aliviar a sua solidão não chegam. Muitos vivem no centro das cidades, em casas decrépitas, ou em subúrbios uniformizados e deprimentes, como a senhora deste caso. São apesar de tudo aqueles que vivem nas aldeias e pequenas vilas que recebem mais atenção dos que os rodeiam. Mas com o decréscimo da natalidade e o aumento da esperança de vida, a situação tende a piorar. No futuro haverá um batalhão de idosos a cuidar. Muitos dos que hoje desprezam os velhos muito provavelmente receberão a dobrar o mesmo tratamento. Só se deseja que daqui a uns anos não invente qualquer forma de "eutanásia involuntária" para impedir o colapso da segurança social que restar.
Espero contudo que esta notícia chocante possa servir para alertar para casos semelhantes e para a extrema solidão que acompanha tantos idosos deste país. Quem sabe se a mulher que nem depois de morta teve tratamento condigno possa afinal chamar a atenção pra a indignidade das pessoas mais velhas. E já que (quase) ninguém quis saber dela, ao menos que se recorde que era uma pessoa, e que tinha nome. Chamava-se Augusta Martinho.