No conversa que Michael Fassbender e Liam Cunningham interpretam talhando as palavras, realçando a importância de cada uma delas, sílaba a sílaba sabotando o desejo de comunicação, aos poucos revelando os seus respectivos dogmas perante a impossibilidade de persuadir o outro; nessa disputa – dizia – o assunto é a greve de fome de Bobby Sands que, levando à morte o deputado eleito em Belfast, no início da década de 1980, provocou uma das mais longas e das mais sangrentas temporadas de violência entre nacionalistas católicos, lealistas, a polícia do Ulster e o exército inglês. Contudo, o acontecimento histórico e as suas implicações políticas e religiosas (de que o Acordo de Sexta-feira Santa, em 1998, é o epílogo) são, para o artista plástico inglês, pretexto para explorar um meio a que há muito recorre no seu trabalho.
Assim, não vale a pena procurar na sua primeira longa-metragem (premiada com a Câmara de Ouro no último Festival de Cannes) um fresco nacionalista ou coisa do género, porque o que se acha no olhar do realizador sobre o enredo criado pelo dramaturgo irlandês Enda Walsh é uma invenção plástica, uma interpretação visual do estado de espírito dos prisioneiros que ultrapassa os constrangimentos do cânone cinematográfico. Ao longo de Fome, como quem cria uma iconografia do martírio dos que dão a vida por uma causa, McQueen imprime referências à pintura religiosa medieval, ao expressionismo angustiado de Egon Schiele, ou aos retratos de desespero de Francis Bacon, mas é nos pequenos gestos, na composição de cada plano, na lenta, precisa e tensa movimentação da câmara que se encontra a dimensão épica de uma agonia que faz do corpo a derradeira e mais tragicamente eficaz forma de protesto.
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