sexta-feira, setembro 16, 2011

Quem sou?



A parábola da carruagem 


Um dia, toca o telefone. 
Quando atendo, uma voz muito familiar me diz:


 – Oi, sou eu. Tem um presente para você na rua. 
 Entusiasmado, vou para a calçada e vejo o presente: uma linda carruagem de nogueira estacionada bem em frente à porta da minha casa. É lustrosa, com ferragens de bronze e candelabros de porcelana branca, tudo muito fino, muito “chique”. 

Abro a portinhola da cabine e subo. Um grande assento semicircular estofado em veludo bordô e cortinas de renda branca dão   um   toque   de   realeza   ao   veículo.   Sento-me   e   percebo   que   a carruagem foi feita exclusivamente para mim: foram calculados o comprimento das pernas, a largura do assento, a altura do teto... 

Tudo é muito confortável e não há lugar para mais ninguém. 
Então, olho pela janela e vejo “a paisagem”: de um lado, a fachada da minha casa; do outro, a da casa do vizinho...

“Que presente maravilhoso!”, digo e fico desfrutando esta sensação. 

Porém, logo em seguida começo a ficar entediado, pois a vista é sempre a mesma. 

Então pergunto-me: “Por quanto tempo se pode olhar para as mesmas coisas?” E começo a me convencer de que o presente que ganhei não serve para nada. 

Estou me queixando disso em voz alta quando meu vizinho passa e diz:

– Você não vê que está faltando alguma coisa nessa carruagem.

Olho para os tapetes e estofados com uma expressão que pergunta “o quê?”. 

 –   Os   cavalos   –   responde   ele,   antes   mesmo   que   eu   consiga abrir a boca. 

 “Por isso vejo sempre a mesma coisa e acho entediante”, penso. 

Então vou até uma estrebaria e consigo dois cavalos jovens e fortes. Atrelo os animais à carruagem, subo de novo e grito: 

– Eeeeeei

A paisagem fica maravilhosa e muda constantemente, o que me surpreende. 

No entanto, pouco depois começo a sentir uma trepidação no veículo e uma rachadura se insinua em uma das laterais. 

Os cavalos estão me levando por caminhos terríveis: passam por   todos   os   buracos,   sobem   nas   calçadas,   atravessam   regiões perigosas. 

Percebo que não tenho controle de nada e que os animais me arrastam para onde querem. 

A princípio achei a aventura bastante divertida, mas agora vejo como é perigosa. 

Começo a ficar assustado e a me dar conta de que esta situação também não é boa para mim. 

Então, vejo meu vizinho, que está passando por perto em sua própria carruagem. 

 – Veja o que você fez! – reclamo. 

 Ele grita de volta para mim: 

 – Falta o cocheiro! 

 – Ah! 

 Ele me ajuda e, com grande dificuldade, controlo os cavalos e   decido   contratar   um   cocheiro.   Tenho   a   sorte   de   encontrá-lo rapidamente. 

É um homem formal e reservado, que parece ter muita experiência, mas pouco senso de humor. 

Ele logo assume suas funções. 

Parece que agora tenho tudo de que preciso para usufruir de meu presente. 

Subo, sento-me e digo ao cocheiro aonde quero ir. 

Ele conduz e mantém toda a situação sob controle. Decide a velocidade adequada e escolhe o melhor caminho. 

Eu, na cabine... aproveito a viagem. 



Só quando tenho consciência de que sou o meu corpo, as minhas mãos, o meu coração e a minha cabeça; quando reconheço que sou as minhas vontades, os meus desejos e os meus instintos, assim como sou os meus amores e os meus desafectos; quando aceito que sou também as minhas reflexões, a minha mente pensante e as minhas experiências, só então estou em condições de percorrer adequadamente o melhor dos caminhos para mim, ou seja, o caminho que me cabe percorrer.




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