sexta-feira, maio 15, 2009

Jornal de Leiria/ região de Cister

Homossexuais escondem-se da discriminação
Três activistas dos direitos dos homossexuais apelaram no sábado passado, em Alcobaça, à participação das pessoas de todas as orientações sexuais nas marchas gay, mesmo que tenham de esconder a sua identidade atrás de máscaras, para evitar represálias. A intenção é manter o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adopção de crianças por homossexuais na agenda política “Eu sei que é muito complicado participar numa marcha gay e dar a cara por causa dos patrões. Metam a porcaria de uma burka, mas vão. Nós somos gado e o camelo do Governo não está a contar caras, mas cabeças e, se contar cinco mil, é menos um deputado na Assembleia da República. Ponham a máscara, mas vão, porque quanto mais pessoas forem, mais peso teremos”, afirmou João Paulo, da Portugal Gay, durante o Primeiro encontro contra a homofobia, que decorreu no sábado, em Alcobaça.Empenhados em pôr na agenda o casamento entre homossexuais, tanto João Paulo como António Serzedelo, da Opus Gay, revelaram que vão votar no PS, partido que incluiu essa promessa no seu programa eleitoral, apesar de já o ter feito também há quatro anos. Durante o debate Homofobia vs amor natural, Serzedelo alertou para as “jogadas eleitorais que têm a ver com a importância do nicho gay no mercado, que pode ser decisivo para a eleição de mais um ou dois deputados”. O presidente da Opus Gay defendeu, contudo, que mesmo que José Sócrates seja reeleito isso não significa que a batalha seja ganha. “Se o PS fizer uma coligação à direita, não vamos ter casamento, se fizer à esquerda vamos ter.” Apesar disso, sublinhou que as coisas nem sempre são lineares. “Se temos o artigo 13º da Constituição [princípio da igualdade], deve-mo-lo ao PS e ao PSD.” Manifestou ainda agrado pelo facto de haver franjas do PSD que apoiam o casamento homossexual e deu como exemplo João Costa, líder da JSD de Leiria, que esteve no local. Paulo Côrte-Real, do Centro LGBT – Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero, assumiu uma postura mais comedida, ao defender que se deve dialogar com todos os partidos para que as suas reivindicações recolham o máximo de apoios possível. Não escondeu o seu agrado por o PS ter incluído o casamento entre homossexuais no seu programa eleitoral, mas recordou que todos os partidos votaram a favor da luta contra a discriminação da orientação sexual. Afirmou, no entanto, que “a discriminação só será eliminada através do casamento”. Aliança com heterossexuaisAntónio Serzedelo lembrou, por outro lado, que os heterossexuais devem ser os seus principais aliados, já que 25% vivem em união de facto. Na prática, o que os activistas dos direitos dos homossexuais defendem é que lhes seja reconhecido o direito de poderem acompanhar o seu companheiro se estiver hospitalizado e de herdarem o seu património em caso de morte. “Hoje, isso ainda não acontece. Se algum dos elementos de casal morrer, o património vai para a prima, para a tia ou para o cão da vizinha”, ironizou.O direito à diferença é outra das batalhas de João Paulo, que recusa a palavra tolerância, a favor da palavra respeito. Defendeu por isso que todos os homossexuais devem ser respeitados, independentemente de serem “travestis, borboletas ou bichas”. “A marcha do Porto é muito séria. Gostava que fossem todos ao Porto, no dia 11 de Julho, para mostrar a diversidade.” Partidário da diferença, lamenta, contudo, que entre a própria comunidade gay haja quem discrimine quem não ande de fato e gravata. “Não devemos envergonhar-nos dos nossos semelhantes.”“A orientação sexual não é visível, pelo que se torna difícil marcarmos a nossa existência. É fundamental darmos visibilidade aos homossexuais para que sejamos vistos como pessoas, e não como fantasmas. Muitas vezes, um adolescente acha que é o único gay no mundo e não consegue encontrar ninguém que o apoie. A comunidade tem de se criar”, desafiou Paulo Côrte-Real. “A lei é um instrumento de perpetuação da homofobia. É fundamental a igualdade no acesso ao casamento e à parentalidade. O nosso objectivo a longo prazo é o direito à indiferença.” Lésbica procura homem para ter filhoMafalda, 36 anos: Depois de nove anos de namoro com outra mulher, a que se seguiram algumas amizades coloridas, Mafalda, 36 anos, acredita que encontrou em Ana, 29 anos, a “mulher dos seus sonhos”. O casamento não passa pelos seus planos, mas não abdica de ser mãe. Falta-lhe apenas encontrar um homem disponível para lhe dar um filho, que pretende partilhar apenas com Ana.Natural de Alcobaça, Mafalda conta que anda “em negociações” com um amigo, já que a assusta a ideia de recorrer a um banco de esperma. “Faz-me uma certa confusão não saber quem é o pai, até porque o meu filho pode querer saber.” Confessa, porém, que a sua intenção é que a criança seja educada apenas por ela e por Ana. A ausência de uma figura masculina não é um motivo de preocupação para Mafalda. “Fui educada pela minha avó e sou feliz. Desde que haja amor...”Mafalda conta que se começou a aperceber que as mulheres a atraíam aos 15 ou 16 anos e diz que reagiu bem quando se apercebeu disso. O facto de não o ter escondido suscitou uma reacção inicial de curiosidade. “As pessoas aproximavam-se de mim, por eu ser diferente, mas nunca senti nenhum tipo de discriminação.” Já a avó perguntou-lhe onde falhou, mas acabou por aceitar. “O que a minha minha família quer é que eu seja feliz.” E é assim que Mafalda se sente, embora não plenamente. “Os pais da Ana pensam que somos apenas amigas. Pensam que, apesar de vivermos juntas, cada uma dorme no seu quarto. A Ana não tem coragem de lhes contar sobre nós, porque não os quer magoar. Sinto que não posso ser eu mesma”, explica. Além disso, revela que Ana sente receio de ser discriminada se se souber que é lésbica na força policial em que trabalha, em Lisboa, cidade onde vivem. “Eu compreendo-a. É por isso que gosto que venha comigo a Alcobaça. Aqui não tem que se esconder. Em Lisboa, não fazemos outra coisa”, explica Mafalda. Apesar dos obstáculos, sente-se bem por não ser “obrigada” a esconder a sua orientação sexual, ao contrário de outros homossexuais casados com pessoas de sexos diferentes. “Há muita gente que ainda não saiu do armário. Levam vidas duplas. Não são felizes.” Metade dos amigos desapareceramMiguel, 34 anos, e Hugo, 42 anos Hugo e Miguel estão juntos há 12 anos e isso custou-lhes a perda de alguns “amigos”. Curiosamente, a maioria dos casais com quem se dão é heterossexual, pois os gays que conhecem não são assumidos, pelo que preferem não ser vistos com eles para não serem conotados enquanto tal. “Até aos 18 anos achei que era bissexual. Talvez por pressão da sociedade, até porque os meus amigos tinham todos namoradas. Mas o lado homossexual acabou por ganhar. Um dia, alguém me perguntou se era gay e resolvi dizer a verdade”, conta Hugo, de 42 anos. Com a família, o assunto nunca foi abordado directamente. Fez uma festa em casa e esperou que os pais somassem “2+2”.A operação era simples até porque nunca levou nenhuma namorada a casa e sempre se insurgiu contra comentários homofóbicos. “A minha mãe fingiu que não tinha acontecido nada e, quando estava a apresentar o Miguel como meu amigo, eu corrigi: genro. Ela aceita, desde que não se fale. Mas é claro que se fala. Estamos em Alcobaça. Somos cinco mil habitantes”, observa.O facto de ter assumido a sua orientação sexual traduziu-se no desaparecimento de “metade dos amigos” e em comentários menos simpáticos da parte de alguns colegas de trabalho, que foram sendo cada vez menos frequentes com o passar do tempo, até que desapareceram por completo, devido à sua indiferença. “Há um medo terrível da parte dos ‘hetero’ de serem contaminados”, justifica Hugo.A explorar um bar na empresa onde Hugo trabalha, Miguel, de 34 anos, também sente a discriminação na pele, já que há pessoas que se recusam a lá ir por saberem que é gay. Uma atitude em relação à qual desenvolveu uma espécie de couraça. “Como se diz na Covilhã, os cães ladram e a caravana passa”, comenta. Ao contrário de outros homossexuais que preferem esconder-se atrás do anonimato, considera que, enquanto as pessoas não se assumirem, ninguém se vai habituar a respeitar a diferença.Miguel confessa que gostaria de se casar com Hugo, para terem acesso aos mesmos direitos dos casais heterossexuais que vivem em união de facto. Já Hugo diz que se sente bem como está, embora deixe essa possibilidade em aberto se a lei não mudar. Admite, contudo, que a aprovação do casamento entre homossexuais é fundamental para alterar as mentalidades. Alexandra Barata

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